Estratégias nutricionais para maximizar a hipertrofia muscular — Parte I
A área da nutrição desportiva é cada vez mais um motivo que leva muita gente à procura de um nutricionista.
Por isso, se é nutricionista e quer saber mais sobre maximizar a hipertrofia para ajudar os seus pacientes, então temos dois artigos para si.
No primeiro artigo serão respondidas as questões "O que é a hipertrofia muscular?" e "Como é aferida a massa muscular"?
O segundo artigo terá uma abordagem mais prática: "Como elaborar um plano alimentar para maximizar a hipertrofia muscular?"
Ambos estes artigos foram realizados em parceria com o nutricionista Filipe Teixeira.
O Nutrium está adaptado para nutrição desportiva
Experimente grátis durante 14 dias, sem compromisso.
Experimente agora"Quando nos é pedido um plano para aumentar a massa muscular, como devemos proceder?
Nestes dois artigos irei, de forma sucinta, abordar a lógica na construção de um plano alimentar que visa optimizar estes ganhos hipertróficos.
Estas são guidelines gerais com base na ciência e não em “verdades cravadas na pedra”.
Não só a ciência está em constante actualização, como também alerto os colegas para o facto de todos os planos alimentares terem de ser:
- personalizados: estarem de acordo com as preferências e especificidade do cliente;
- periodizados: ajustados de acordo com as necessidades do dia de treino, jogo, descanso, etc.
No primeiro caso, a arte consiste em garantir um equilíbrio entre as preferências do cliente e as suas necessidades e objectivos.
No segundo caso a estratégia passa pela satisfação das suas necessidades (energéticas e de nutrientes), de acordo com a especificidade do seu dia (ex. diferentes necessidades entre dia de descanso e dia de treino).
Dou sempre um conselho aos jovens nutricionistas desportivos, antes de prescreverem um plano alimentar, entendam a fisiologia do exercício em causa:
- dominância dos sistemas energéticos;
- tipo de macronutriente que é primariamente oxidado, etc.
Depois de identificadas algumas destas características, a prescrição do plano é mais fácil e intuitiva.
O que é a hipertrofia muscular?
Podemos descrever a hipertrofia muscular como o aumento da dimensão do tecido muscular. Este processo adaptativo à contracção muscular, parece dever-se a três fenómenos:
- aumento de elementos contrácteis - sarcómeros (em série e/ou em paralelo);
- aumento de elementos não contrácteis (ex. colagénio, organelos, mioglobina, glicogénio etc.) e fluido sarcoplasmático;
- aumento da actividade das células satélite.
B. J. Schoenfeld, 2010.
Em condições normais, a hipertrofia visível é o resultado do incremento dos sarcómeros em paralelo (Paul & Rosenthal, 2002; Tesch & Larsson, 1982), que por sua vez resulta num aumento individual das fibras musculares e consequente aumento da região transversal do músculo (Toigo & Boutellier, 2006).
Podemos pensar na hipertrofia em paralelo fazendo uma analogia entre o sarcómero e uma “sardinha numa lata de conserva”, onde cada unidade é tipicamente posicionada em paralelo.
Por sua vez a hipertrofia longitudinal poderá ser visualizada como o incremento dos sarcómeros de forma longitudinal, um pouco como a adição de “pérolas a um colar”.
O aumento dos sarcómeros em série ocorre, tipicamente, quando o músculo é obrigado a adaptar-se a um novo comprimento funcional (Toigo & Boutellier, 2006).
Alguma evidência também sugere que a hipertrofia em série possa ocorrer na fase inicial do treino, provavelmente nas 5 semanas iniciais (Blazevich, Cannavan, Coleman, & Horne, 2007; Seynnes, de Boer, & Narici, 2007).
O tipo de treino pode também gerar hipertrofia longitudinal, se a velocidade da acção concêntrica for aumentada, mesmo em atletas treinados (Alegre, Jimenez, Gonzalo-Orden, Martin-Acero, & Aguado, 2006; Blazevich, Gill, Bronks, & Newton, 2003).
Outros factores, para além do exercício (tensão mecânica, dano muscular e stress metabólico), podem influenciar a resposta hipertrófica, nomeadamente: hipoxia, hormonas e citocinas, migração das células satélite, expansão celular e diversas vias miogénicas (akt/mTOR, MAPK e vias cálcio-dependentes)(B. J. Schoenfeld, 2010).
De forma resumida, os músculos podem incrementar as suas unidades contrácteis tanto em paralelo como em série, no entanto a primeira parece ser a verdadeira responsável pelo aumento da sua dimensão.
Existe uma componente hereditária inegável, entre a quantidade total e apendicular de massa isenta de gordura (MIG) e a expressão de determinados genes, nomeadamente em relação a alguns polimorfismos genéticos (HSD17B11, VCAN, ADAMTSL3, IRS1, FTO) (Zillikens et al., 2017).
Apetece dizer, em tom de brincadeira, se querem mais massa muscular escolham bem os pais 😊
Como é aferida a massa muscular?
A massa muscular, ao contrário do que por vezes é postulado, não é directamente aferida a partir da bioimpedância, pregas cutâneas, densitometria radiológica de dupla energia (DXA), pletismografia, etc.
Existem algumas fórmulas que estimam a massa muscular esquelética a partir das pregas cutâneas e perímetros (Lee et al., 2000) ou outras abordagens que estimam a massa muscular a partir da DXA (Kim et al., 2004), no entanto estas continuam a ser extrapolações.
Os métodos anteriormente mencionados (inclusive a DXA) estimam sobretudo MIG, por vezes também referida como massa magra (não é bem a mesma coisa), no entanto o compartimento mais significativo da MIG não é o músculo-esquelético, mas sim a água, logo o estado de hidratação do atleta irá influenciar a aferição (Ackland et al., 2012; Buckinx et al., 2018; Lohman, Harris, Teixeira, & Weiss, 2000; Toombs, Ducher, Shepherd, & De Souza, 2012). Mesmo em atletas, raramente a massa muscular excede os 50% da MIG (Abe et al., 2018).
A massa muscular é tipicamente aferida por técnicas imagiológicas como o ultrassom, tomografia computorizada ou ressonância magnética (Buckinx et al., 2018).
Porém, estas metodologias também apresentam limitações, a diferença é que as técnicas imagiológicas estimam a partir da aferição directa muscular (ex. espessuras musculares).
Todas as técnicas apresentam limitações, digo-o sem qualquer reserva, já que até mesmo a dissecção de cadáveres (considerada o gold standard para a avaliação da composição corporal) apresenta limitações (ex. questões inerentes à hidratação, não foram efectuadas em atletas, não pode ser efectuada obviamente in vivo etc.) (Ackland et al., 2012)."
Terminado o primeiro artigo, fique com atenção ao lançamento do segundo, com uma componente mais prática sobre "Como construir um plano para maximizar a hipertrofia muscular?".
Esperamos ajudar e agradecemos ao nutricionista Filipe Teixeira pelo artigo e participação nesta iniciativa do Nutrium para promover a partilha de experiência e conhecimento entre os nossos profissionais.
Referências:
Abe, T., Buckner, S. L., Dankel, S. J., Jessee, M. B., Mattocks, K. T., Mouser, J. G., & Loenneke, J. P. (2018). Skeletal muscle mass in human athletes: What is the upper limit? , 30(3), e23102. doi: 10.1002/ajhb.23102
Ackland, T. R., Lohman, T. G., Sundgot-Borgen, J., Maughan, R. J., Meyer, N. L., Stewart, A. D., & Muller, W. (2012). Current status of body composition assessment in sport: review and position statement on behalf of the ad hoc research working group on body composition health and performance, under the auspices of the I.O.C. Medical Commission. Sports Med, 42(3), 227-249. doi: 10.2165/11597140-000000000-00000
Alegre, L. M., Jimenez, F., Gonzalo-Orden, J. M., Martin-Acero, R., & Aguado, X. (2006). Effects of dynamic resistance training on fascicle length and isometric strength. J Sports Sci, 24(5), 501-508. doi: 10.1080/02640410500189322
Blazevich, A. J., Cannavan, D., Coleman, D. R., & Horne, S. (2007). Influence of concentric and eccentric resistance training on architectural adaptation in human quadriceps muscles. J Appl Physiol (1985), 103(5), 1565-1575. doi: 10.1152/japplphysiol.00578.2007
Blazevich, A. J., Gill, N. D., Bronks, R., & Newton, R. U. (2003). Training-specific muscle architecture adaptation after 5-wk training in athletes. Med Sci Sports Exerc, 35(12), 2013-2022. doi: 10.1249/01.mss.0000099092.83611.20
Buckinx, F., Landi, F., Cesari, M., Fielding, R. A., Visser, M., Engelke, K., . . . Kanis, J. A. (2018). Pitfalls in the measurement of muscle mass: a need for a reference standard. J Cachexia Sarcopenia Muscle, 9(2), 269-278. doi: 10.1002/jcsm.12268
Churchward-Venne, T. A., Breen, L., Di Donato, D. M., Hector, A. J., Mitchell, C. J., Moore, D. R., . . . Phillips, S. M. (2014). Leucine supplementation of a low-protein mixed macronutrient beverage enhances myofibrillar protein synthesis in young men: A double-blind, randomized trial1-3. American Journal of Clinical Nutrition, 99(2), 276-286. doi: 10.3945/ajcn.113.068775
Cintineo, H. P., Arent, M. A., Antonio, J., & Arent, S. M. (2018). Effects of Protein Supplementation on Performance and Recovery in Resistance and Endurance Training. Frontiers in Nutrition, 5, 83-83. doi: 10.3389/fnut.2018.00083
Garthe, I., Raastad, T., Refsnes, P. E., & Sundgot-Borgen, J. (2013). Effect of nutritional intervention on body composition and performance in elite athletes. Eur J Sport Sci, 13(3), 295-303. doi: 10.1080/17461391.2011.643923
Jagim, A. R., Camic, C. L., Kisiolek, J., Luedke, J., Erickson, J., Jones, M. T., & Oliver, J. M. (2018). Accuracy of Resting Metabolic Rate Prediction Equations in Athletes. J Strength Cond Res, 32(7), 1875-1881. doi: 10.1519/jsc.0000000000002111
Kerksick, C. M., Wilborn, C. D., Roberts, M. D., Smith-Ryan, A., Kleiner, S. M., Jäger, R., . . . Kreider, R. B. (2018). ISSN exercise & sports nutrition review update: research & recommendations. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 15(1), 38-38. doi: 10.1186/s12970-018-0242-y
Kim, J., Heshka, S., Gallagher, D., Kotler, D. P., Mayer, L., Albu, J., . . . Heymsfield, S. B. (2004). Intermuscular adipose tissue-free skeletal muscle mass: estimation by dual-energy X-ray absorptiometry in adults. J Appl Physiol (1985), 97(2), 655-660. doi: 10.1152/japplphysiol.00260.2004
Lee, R. C., Wang, Z., Heo, M., Ross, R., Janssen, I., & Heymsfield, S. B. (2000). Total-body skeletal muscle mass: development and cross-validation of anthropometric prediction models. Am J Clin Nutr, 72(3), 796-803. doi: 10.1093/ajcn/72.3.796
Lohman, T. G., Harris, M., Teixeira, P. J., & Weiss, L. (2000). Assessing Body Composition and Changes in Body Composition: Another Look at Dual-Energy X-ray Absorptiometry. Annals of the New York Academy of Sciences, 904(1), 45-54. doi: 10.1111/j.1749-6632.2000.tb06420.x
Morton, R., McGlory, C., & Phillips, S. (2015). Nutritional interventions to augment resistance training-induced skeletal muscle hypertrophy. Front Physiol, 6(245). doi: 10.3389/fphys.2015.00245
Morton, R. W., Murphy, K. T., McKellar, S. R., Schoenfeld, B. J., Henselmans, M., Helms, E., . . . Phillips, S. M. (2017). A systematic review, meta-analysis and meta-regression of the effect of protein supplementation on resistance training-induced gains in muscle mass and strength in healthy adults. British Journal of Sports Medicine, 0(6), 1-10. doi: 10.1136/bjsports-2017-097608
Paul, A. C., & Rosenthal, N. (2002). Different modes of hypertrophy in skeletal muscle fibers. J Cell Biol, 156(4), 751-760. doi: 10.1083/jcb.200105147
Schoenfeld, B. J. (2010). The Mechanisms of Muscle Hypertrophy and Their Application to Resistance Training. Jounal of Strength and Conditioning Research, 24(10), 2857-2872.
Schoenfeld, B. J., Aragon, A. A., & Krieger, J. W. (2013). The effect of protein timing on muscle strength and hypertrophy: a meta-analysis. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 10(1), 53. doi: 10.1186/1550-2783-10-53
Schoenfeld, B. J., Aragon, A. A., & Krieger, J. W. (2015). Effects of meal frequency on weight loss and body composition: a meta-analysis. Nutr Rev, 73(2), 69-82. doi: 10.1093/nutrit/nuu017
Schofield, K. L., Thorpe, H., & Sims, S. T. (2019). Resting metabolic rate prediction equations and the validity to assess energy deficiency in the athlete population. 104(4), 469-475. doi: 10.1113/ep087512
Seynnes, O. R., de Boer, M., & Narici, M. V. (2007). Early skeletal muscle hypertrophy and architectural changes in response to high-intensity resistance training. J Appl Physiol (1985), 102(1), 368-373. doi: 10.1152/japplphysiol.00789.2006
Slater, G., & Phillips, S. M. (2011). Nutrition guidelines for strength sports: sprinting, weightlifting, throwing events, and bodybuilding. J Sports Sci, 29 Suppl 1, S67-77. doi: 10.1080/02640414.2011.574722
ten Haaf, T., & Weijs, P. J. M. (2014). Resting energy expenditure prediction in recreational athletes of 18-35 years: confirmation of Cunningham equation and an improved weight-based alternative. PLOS ONE, 9(9), e108460-e108460. doi: 10.1371/journal.pone.0108460
Tesch, P. A., & Larsson, L. (1982). Muscle hypertrophy in bodybuilders. Eur J Appl Physiol Occup Physiol, 49(3), 301-306.
Toigo, M., & Boutellier, U. (2006). New fundamental resistance exercise determinants of molecular and cellular muscle adaptations. Eur J Appl Physiol, 97(6), 643-663. doi: 10.1007/s00421-006-0238-1
Toombs, R. J., Ducher, G., Shepherd, J. A., & De Souza, M. J. (2012). The impact of recent technological advances on the trueness and precision of DXA to assess body composition. Obesity (Silver Spring), 20(1), 30-39. doi: 10.1038/oby.2011.211
Williams, M. H. (2005). Nutrition for health, fitness, and sport.: McGraw-Hill Science Engineering.
Zillikens, M. C., Demissie, S., Hsu, Y. H., Yerges-Armstrong, L. M., Chou, W. C., Stolk, L., Kiel, D. P. (2017). Large meta-analysis of genome-wide association studies identifies five loci for lean body mass. Nat Commun, 8(1), 80. doi: 10.1038/s41467-017-00031-7