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Nutricionista · 5021N

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Atenção aos rótulos: sabes o que é Carragena?

sexta-feira, 12 de maio de 2023

A Carrageenans como potencial deflagrador de doenças crônicas: uma reflexão crítica

                                                                                                                                               Gisela Arnaud, Nutricionista 5021N

Há inúmeras razões para evitarmos os alimentos processados e ultraprocessados como rotina alimentar, mas uma das principais é o fato de que nunca sabemos muito bem o que está lá adicionado. São inúmeros códigos com letras, números e nomes desconhecidos para disfarçar substâncias que já sabemos que são danosas à saúde humana e que podem estar envolvidas em muitos dos distúrbios metabólicos que estamos hoje a presenciar. A carragena pode estar na composição de sorvetes, achocolatados, sobremesas que contenham leite, bebidas de soja, alguns queijos frescos e requeijões, enchidos, molhos prontos e sopas, comidas congeladas e os famosos pudins proteicos.

Aditivos alimentares são substâncias intencionalmente utilizadas pela indústria de alimentos com o objetivo de melhorar algumas de suas características, bem como aumentar o tempo de prateleira. Na União Europeia todos os aditivos devem ser identificados pela letra E acrescida do respetivo número e devem estar devidamente descritos nos rótulos dos alimentos, especificando qual é o aditivo e função que exerce no produto pronto para consumo. Os aditivos mais comuns são os conservantes, emulsificantes, estabilizantes, gelificantes, espessantes, adoçantes e corantes, que podem ser identificados pelo nome ou pelo número. A European Food Safety Authority (EFSA) é o orgão europeu responsável por avaliar a segurança dos novos aditivos ou suas novas formas de utilização, reavaliar todos os aditivos alimentares com autorização de utilização emitida antes de 20 de janeiro de 2009 e, ainda, responder a todos os questionamentos da Comissão Europeia sobre determinados aditivos à luz de novos estudos científicos ou alterações de condições de utilização. O regulamento (EC) nº 1333/2008 dispõe sobre a necessidade de reavaliação e o programa é definido pelo regulamento (EU) nº257/2010.

A Carragena ou Carrageenans (CGN), designada pelo código E407 e, geralmente, considerada como segura para consumo humano pelas entidades reguladoras, é um dos aditivos mais utilizados nas indústrias de alimentos, farmacêutica e de cosméticos e tem sido objeto de inúmeras controvérsias. Trata-se de um grupo de polissacarídeos sulfatados lineares extraídos de algas comestíves, ou algas vermelhas, como as Chondrus crispus, muitas vezes descrita nos rótulos como "algas naturais" ou "conservantes naturais" e é utilizada em alimentos destinados ao consumo humano por centenas de anos devido às suas potencialidades espessantes e gelificantes. Alimentos consumidos quase que diariamente na dieta ocidental possuem (CGN) na lista de ingredientes, tais como iogurtes, geleias, sorvetes, alimentos processados com baixo teor de gordura, queijos processados, alimentos enlatados, bebidas à base de soja, alimentos e fórmulas infantis, molhos para saladas e uma grande lista de outros produtos processados e ultra-processados.

A larga utilização de aditivos e o crescente aumento do consumo de alimentos processados têm suscitado questionamentos sobre os possíveis efeitos adversos desta crescente exposição para a saúde humana. Desde a década de 80, inúmeros estudos em modelos animais têm sugerido que a maior exposição à (CGN) pode provocar efeitos indesejáveis à saúde gastrointestinal com eventual agravamento da inflamação intestinal. Por outro lado, além da utilização como aditivo alimentar, a (CGN) também possui propriedades antivirais, por exemplo, e tem sido estudada em combinação com outras drogas para um possível tratamento do SARS-CoV-2, causador da pandemia do COVID-19 e até mesmo no combate ao cancro. Entretanto, este ensaio crítico não pretende ser exaustivo quanto à larga utilização da (CGN), focando-se preponderantemente nas considerações sobre potenciais efeitos adversos à saúde humana quando utilizada como aditivo alimentar.

O desenvolvimento de processos inflamatórios intestinais, alterações no microbiota e reações alérgicas devidos à exposição ao E407 parece estar associado à sua estrutura química e às transições conformacionais aleatórias, ou seja, o mesmo tipo de Carragena pode assumir diferentes estruturas na degradação que ocorre durante o processo digestivo e cujo mecanismo não está muito bem compreendido. No entanto, efeitos gastroinetestinais adversos, nomeadamente, ulcerações intestinais e neoplasias devidos à degradação da carragena, parecem estar bem documentados em estudos realizados com ratos. Há mais de meio século, reconheceu-se que a carragena pode ter impacto na bioacessibilidade e biodisponibilidade proteica, pois ainda que não totalmente elucidado o mecanismo de atuação, observou-se a alteração provocada na secreção e atuação de proteases digestivasm que são enzimas secretadas para a boa digestibilidade proteica..

A carragena é um polissacarídeo com elevado peso molecular composto por resíduos de D-galactose com ligações em β-1,4 e α-1,3 galactose-galactose. As 3 estruturas mais comuns são ι (iota), κ (kappa) and λ (lambda), com diferentes repetições na unidade sulfatada (1, 2 ou 3 grupo sulfato), κ- ι- and λ-carrageenan primary structure. Estudos recentes sobre a possiblidade de ativação do sistema imunológico inato, demonstraram efeitos adversos para a integridade da espessura da mucosa intestinal e alteração do microbiota. Observou-se, entretanto, que a exclusão de alimentos contendo (CGN), pode ser importante na remissão do quadro inflamatório. Além disso, muito se tem debatido sobre possíveis reações alérgicas que podem decorrer deste aditivo.

Artigo de revisão publicado recentemente (2021), dispõem sobre a possibilidade de forte interação entre a (CGN), a pepsina e a tripsina, importantes proteases que podem estar sofrendo variados tipos de interferência em sua homeostase e, como consequência, teríamos desordens intestinais e desequilíbrios nutricionais. Os autores sugerem, ainda, que seria recomendada a evicção de alimentos contendo carragena para crianças e adultos com algum tipo de fragilidade ou distúrbio intestinal. O artigo ressalta que, ainda que sejam observadas inúmeras variações de sintomas em virtude de condições de saúde prévias, restou demonstrado que o aditivo pode exercer efeitos adversos também em tratos gastrointestinais saudáveis .

Devido à relevância do tema, preponderantemente no que tange à larga utilização da (CGN) em fórmulas infantis e, ainda, considerando a falta de evidência de sua segurança para todos os grupos populacionais, a EFSA considerou a reavaliação da permissão de utilização deste aditivo em alimentos destinados à crianças até 16 semanas de idade, tendo-se solicitado que mais estudos sejam submetidos no sentido de preenchimento das lacunas existentes.

No mesmo sentido, a Organização Mundial da Saúde tem promovido recorrentes reavaliações sobre o uso da carragena, ressaltando que alguns estudos observacionais tem trazido à luz possíveis associações entre o aditivo e os marcadores utilizados para acompanhamento do diabetes devido a eventuais interações desta substância com o TLR4, gerando inflamação e, assim, um potencial gatilho para a resistência à insulina e o DM-II. Estudo piloto envolvendo 13 participantes realizou testes de tolerância à glicose e obteve resultados que demonstram haver correlação positiva entre a exclusão da carragena da dieta e a melhora nos marcadores de HbA1c e HOMA-IR, sugerindo a necessidade de novos estudos sobre o impacto da carragena no desenvolvimento do DM-II e evidenciando a ausência de informação sobre a segurança na utilização deste e de outros aditivos alimentares.

Referências

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4. Bernard, C., Cultrone, A., Michel, C., Rosales, C., Segain, J. P., Lahaye, M., Galmiche, J. P.,Cherbut, C., & Blottiere, H. M. (2010). Degraded carrageenan causing colitis in rats induces TNF secretion and ICAM-1 upregulation in monocytes through NF Kappa B activation. Plos One,5, e8666.

5. Anderson, W., & Harthill, J. (1967). Carrageenans and the proteolytic activity of human gastric secretion. Journal of Pharmacy and pharmacology, 19(11), 720-728. https://doi.org/10.1111/j.2042-7158.1967.tb08023.x.

6. Borsani, B., De Santis, R., Perico, V., Penagini, F., Pendezza, E., Dilillo, D., Bosetti, A., Zuccotti, G. V., & D'Auria, E. (2021). The Role of Carrageenan in Inflammatory Bowel Diseases and Allergic Reactions: Where Do We Stand?. Nutrients, 13(10), 3402. https://doi.org/10.3390/nu13103402.

7. Liu, F., Hou, P., Zhang, H., Tang, Q., Xue, C., & Li, R. W. Food-grade carrageenans and their implications in health and disease. Compr Rev Food Sci Food Saf. 2021; 20:3918−3936. https://doi.org/10.1111/1541-4337.12790

8. European Food Safety Authority, EFSA. Acesso em 21 de nov de 2021. https://www.efsa.europa.eu/en/consultations/call/call-technical-and-toxicological-data-carrageenan-e-407-uses-foods#_edn2

9. World Health Organization, WHO. Safety evaluation of certain food additives. Acesso em 21 de nov de 2021. http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/171781/9789240693982_eng.pdf;jsessionid=D22E19F3BE5FB917120FDFF8F9D94B7E?sequence=3

10. Feferman, L., Bhattacharyya, S., Oates, E., Haggerty, N., Wang, T., Varady, K., & Tobacman, J. K. (2020). Carrageenan-Free Diet Shows Improved Glucose Tolerance and Insulin Signaling in Prediabetes: A Randomized, Pilot Clinical Trial. Journal of diabetes research, 2020, 8267980. https://doi.org/10.1155/2020/8267980.

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Gisela Arnaud
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