Blog deAna Sofia Matos

Nutricionista · 2835N

Definição de objetivos individualizados são o ponto de partida para a mudança.

Jejum intermitente

segunda-feira, 05 de setembro de 2022

O jejum é uma prática ancestral que tem ganho muitos adeptos nos últimos anos. Possivelmente começou de forma forçada em épocas de escassez alimentar e tornou-se, posteriormente, voluntária. Vários são os motivos que levam à adoção deste estilo de vida, estando muitas vezes associado a certas práticas religiosas, como é o caso de religiões monoteístas como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, que o praticam com diversas finalidades, nomeadamente a melhoria das capacidades de meditação.

O interesse na investigação científica desta prática tem sido crescente, mostrando um potenciais benefício na saúde, emagrecimento e exercício físico. As adaptações metabólicas que o jejum intermitente gera estão relacionadas com melhora da sensibilidade à insulina, diminuição dos marcadores inflamatórios e emagrecimento.

Formas de praticar jejum intermitente

Embora não exista uma definição consensual, jejum intermitente pode ser definido como uma restrição voluntária da ingestão energética por períodos que vão de 12 horas a alguns dias, num padrão consistente e recorrente. A evidência científica apresenta estudos de intervenção que vão desde o jejum diário durante 12 a 18h, até à ingestão muito baixa ou nula de alimentos em dias alternados ou em alguns dias da semana. Na prática, estas são as principais formas de praticar jejum intermitente:

• jejum alternado- 24 horas de consumo alimentar seguidas de 24 horas com restrição limitada a cerca de 500 kcal;

• jejum 5:2- semana com cinco dias de consumo alimentar “normal” e dois dias não consecutivos com restrição limitada a cerca 500 kcal;

• 24h de jejum uma ou duas vezes por semana;

• 8horas diárias de janela alimentar e 16h de jejum calórico (restante período do dia) - uma abordagem menos radical e com maior número de adeptos. O facto de a janela alimentar ocorrer em períodos diurnos, em que a pessoa está mais ativa, faz mais sentido de acordo com os nossos ritmos circadianos.

O que acontece ao organismo durante o jejum intermitente?

Uma das alterações metabólicas ocasionadas pelo jejum é a cetogénese, que leva a mudanças na utilização de substrato energético, ou seja, o organismo começa a usar a gordura como fonte de energia, produzindo corpos cetônicos, que são utilizados principalmente pelo cérebro, na vez de usar glicose.

O nosso corpo armazena uma pequena parte do açúcar proveniente da alimentação, sob a forma de glicogénio e o restante transforma-o em gordura e acumula-a. Quando é necessária mais energia temos vontade de comer. Se não comermos, o corpo usa a glicose como fonte de energia, proveniente do que comeu na refeição anterior. Quando esta fonte esgota, podemos comer novamente, recomeçando o ciclo, ou seja, o corpo continua a usar a energia chegada através dos alimentos, ou, não fazendo uma refeição, a energia é fornecida pelas reservas de glicogénio acumulado nos músculos. Se o tempo de jejum for prolongado, as reservas de glicogénio acabam por se esgotar e inicia-se o processo de gliconeogénese, ou seja, formação de glicose no fígado e rim. Este processo assegura a quantidade mínima de açúcar que é necessário. Todo o resto do corpo vai usar, como fonte calórica, a gordura que tem acumulada. Com esta prática, o corpo passa a queimar mais gordura em vez de glicose.

Segundo Yoshinori Ohsumi, vencedor do prémio Nobel da Medicina de 2016 com uma descoberta sobre o mecanismo de autofagia, as células quando estão em jejum ou submetidos a determinados tipos de stress têm a capacidade de se autodigerir, eliminando toxinas, vírus, bactérias e outros componentes que existem no interior da célula. Com esta capacidade de fagocitose, são também eliminadas proteínas problemáticas para o corpo e restos danificados permitindo a reparação e regeneração celular. A autofagia é de extrema importância e a sua desregulação está implicada no envelhecimento prematuro e associada a doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer. Falhas no processo de autofagia já foram relacionadas também com diabetes tipo 2 e cancro. Trata-se de um processo de regulação fina e reciclagem de componentes celulares.

Além disso, o jejum aumenta a metabolização do factor Neurotrófico Derivado do Cérebro, uma proteína fabricada pelos neurónios e indispensável na manutenção da plasticidade cerebral e neurogénese (formação de novos neurónios).


Benefícios do jejum intermitente

Muitos estudos indicaram que vários dos benefícios do jejum intermitente, tais como:

• Alterações na composição corporal (perda de peso, perda de gordura corporal e maior oxidação de gordura corporal)

• Aumento da sensibilidade periférica aos efeitos da insulina

• Melhoria do metabolismo da glicose

• Efeitos cardiovasculares (diminuição da gordura visceral, aumento da adiponectina e melhoras do perfil lipídico)

• Impacto no envelhecimento e cognição

• Menor compulsão alimentar

• Promove a modulação da microbiota intestinal

• Efeitos benéficos no stress oxidativo e inflamação

• Aumento da resistência ao treino

• Efeitos anti-inflamatórios

• Promoção da autofagia


Jejum e perda de peso

Já sabemos que a regra chave para perder peso é ingerir menos calorias do que aquelas que gastamos.

Embora o número de estudos seja menor e de duração mais curta do que o desejável para se poderem estabelecer com clareza os efeitos desta dieta a longo prazo, foi possível observar que o jejum intermitente reduz efetivamente o peso em ensaios clínicos. No entanto, a maioria dos estudos compara esta intervenção com uma dieta não restritiva, pelo que não surpreendem estes resultados. As evidências sugerem que o jejum produz perda de peso equivalente à restrição calórica. Ou seja, quando é avaliada apenas a perda de peso, a chave pode estar no défice calórico e não no jejum em si. Portanto, dada a não superioridade de nenhuma destas intervenções em relação à outra, pelo menos segundo os estudos de que dispomos até ao momento, podemos dizer que a decisão clínica de usar esta abordagem para a perda de peso, terá de ser feita de acordo com as especificidades de cada doente e avaliada pelo profissional de saúde.

Jejum e exercício

O jejum mostra maior benefício ao nível da capacidade cardiorrespiratória e, para quem quer perder massa gorda, o consumo alimentar prévio ao treino inibe a degradação de gorduras e privilegia a participação dos hidratos de carbono no gasto energético, dificultando a perda de gordura corporal. Devido à redução de glicogénio hepático e muscular que, juntamente com os baixos níveis de insulina, levam a redução do uso da glicose como substrato energético, a mobilização de lipídios como substrato energético aumenta, podendo assim contribuir para a melhoria do desempenho.

Numa investigação portuguesa publicada na Nutrients, concluíram que o jejum intermitente, com hidratação adequada, é eficaz para perder massa gorda e aumentar rendimento físico no exercício de resistência cardiorrespiratória e provoca menos perda de massa isenta de gordura do que as dietas de restrição calórica, efeitos que podem ser potenciados ainda mais quando o exercício físico é praticado em paralelo com o jejum intermitente. Os resultados mostraram também benefícios do ponto de vista da resistência cardiorrespiratória, materializados num aumento da potência aeróbia máxima, o que pode ser vantajoso para pessoas que pretendem melhorar o seu rendimento em modalidades como corrida ou ciclismo. Isto deve-se a um benefício ao nível do tecido muscular, uma vez que aumenta o número de mitocôndrias o que faz aumentar a capacidade de produzir energia do ponto de vista aeróbico, tornando-se num tecido mais resistente ao esforço físico. No entanto, perceberam que no jejum intermitente acompanhado por desidratação, como, por exemplo, acontece no Ramadão, apesar de haver perda de peso, há um “decréscimo evidente” no rendimento físico em esforços de resistência cardiorrespiratória.

Questões práticas:

• Que tipo de líquidos posso ingerir durante o jejum?

Durante o jejum podem ser ingeridos líquidos como água, chás, infusões e café, tudo sem qualquer adição de açúcar (qualquer tipo) ou adoçante. Beber muitos líquidos durante o jejum, para além de hidratar, vai ajudar a reduzir a sensação de fome.

• Após o jejum, como deve ser a minha refeição?

È importante que a quebra ou início do jejum seja feito com alimentos ricos nutricionalmente, nomeadamente gorduras boas e proteína.

• Dúvidas no protocolo de jejum que deve praticar?

A melhor estratégia de jejum é aquela que se adequa ao estilo de vida e horários de cada um. Para quem não está habituado a ficar muitas horas sem comer, pode começar com 12h (por exemplo, 20h-8h) e tentar aumentar para as 16h, gradualmente. Há quem prefira jantar ou fazer um lanche mais completo por volta das 18h e só comer no dia seguinte de manhã por volta das 10h, ou quem prefira partilhar o jantar com a família e não tomar o pequeno-almoço mal acorda ou saltar diretamente para o almoço. Durante a janela de tempo que não come, deve manter uma boa hidratação.

Conclusão

O sucesso desta estratégia, seja na perda de peso ou no ganho de saúde e energia depende daquilo que come na janela de alimentação definida, devendo manter os pressupostos de uma alimentação saudável.

A resposta a qualquer intervenção dietética é individual e deve ser sempre realizada com o apoio de um nutricionista, de forma a perceber qual a estratégia que mais se adequa à pessoa, aos objetivos, à fase e história clínica.

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Atinja os seus objetivos com o melhor acompanhamento!
Ana Sofia Matos
Ana Sofia Matos
Nutricionista · 2835N
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