Blog deAna Sofia Matos

Nutricionista · 2835N

Definição de objetivos individualizados são o ponto de partida para a mudança.

Solanáceas

segunda-feira, 05 de setembro de 2022

A família de Solanáceas, em inglês mais popularmente conhecidas como nightshades, incluem milhares de plantas, muitas delas não comestíveis. Algumas das mais conhecidas são o pimento, tomate, papipkra, batatas (excepto batata-doce), physalis, beringela, goji, tamarilhos e pimenta caiena. Esta família de plantas também possui muitas espécies que são consideradas tóxicas para os humanos, incluindo o tabaco, a beladona e a erva-moura, esta última que produz pequenas bagas venenosas, entre outras (Lee, 2006; Gebhardt, 2016).

Falando apenas das plantas comestíveis, algumas pesquisas indicam potenciais efeitos antivirais e anticarcinogénicos, apesar do mecanismo ser ainda pouco claro. Ainda assim, a toxicidade sistémica relativamente a altas doses destes compostos é outro efeito que deve ser levado em consideração (Sucha, 2016; Friedman, 2015). Embora sejam "seguros" para comer em circunstâncias normais, algumas pessoas podem ser sensíveis à sua ingestão, podendo resultar em problemas digestivos e inflamatórios. Alguns dos compostos químicos produzidos por estas plantas que podem ter efeitos negativos no corpo humano são os glicoalcalóides, como o caso da solanina, uma substância alcalóide que, quando consumida em quantidades demasiado elevadas, acredita-se que pode agravar a dor ou a inflamação, por contribuir para o aumento da toxicidade. A maioria destes compostos faz parte do sistema de autodefesa inato da planta, mas que pode ter um efeito prejudicial em humanos. Ao que parece, algumas pessoas não têm as enzimas necessárias para digerir os alcaloides, à semelhança do que acontece com a falta de lactase e a impossibilidade de digerir a lactose, comum na população adulta. Alguns dos sintomas mais frequentes que se podem manifestar são irritação na pele, náuseas, comichão, dores articulares, enjoo, diarreia e/ou refluxo (Pomilio, 2008, Jerzykiewicz, 2007).

Há evidência científica que os glicoalcalóides contribuem para o intestino permeável e doença inflamatória intestinal. Em grandes quantidades, que podem ser encontradas, por exemplo, em batatas verdes e germinadas, podem ser tóxicos para humanos e animais (Patel, 2002). Um estudo de 2005 observou que são necessárias mais de 24 horas para que o corpo elimine os glicoalcalóides. Por isso, uma ingestão frequente destes alimentos pode resultar na acumulação de compostos tóxicos no organismo, fazendo com que os efeitos negativos sejam cumulativos (Mensinga, 2005). Dois estudos em ratos com Distúrbio do Intestino Irritável (DII), mostraram que que os alcalóides das batatas afetam a permeabilidade intestinal e aumentam a inflamação intestinal. No entanto, é importante observar que a concentração de alcalóides utilizada foi em doses muito mais altas do que a quantidade encontrada numa porção normal de qualquer um destes alimentos (Patel, 2022; Iablokov, 2010). Num estudo realizado no Brasil, onde foram analisadas várias amostras de batatas, 82% apresentaram níveis de glicoalcalóides inferiores a 100mg/kg, o que é considerado seguro para consumo humano ( Machado e Todelo, 2004).

Saponinas, nicotina e capsaicina são outros dos compostos que podem agravar o estado inflamatório. Como outros fitoquímicos, as saponinas são produzidas pelas plantas como um método de natural de autodefesa contra pragas e infeções. As saponinas são antinutrientes e podem interferir na absorção e digestão de macro e micronutrientes (Francis, 2022; Fekadu, 2014; Liener, 1994). Semelhantes às lectinas, podem afetar o revestimento gastrointestinal, contribuindo para a síndrome do intestino permeável e distúrbios autoimunes, pois são particularmente resistentes à digestão humana e têm a capacidade de entrar na corrente sanguínea e desencadear respostas imunológicas (Francis, 2002; Johnson, 1986). A capsaicina é o principal composto vegetal bioativo na pimenta caiena, responsável pelo seu sabor picante. Após a sua ingestão, podem existir alguns efeitos colaterais, incluindo dor de estômago, diarreia, suor, rubor na pele, lágrimas, náuseas, vómitos, dor abdominal ou diarreia. Dois ensaios clínicos sugerem que as lectinas presentes nos tomates e a capsaicina na pimenta também podem aumentar a permeabilidade intestinal (Carreno-Gómez B, 1999; Jensen-Jarolim, 1998). Alguns autores referem que um intestino permeável pode contribuir para níveis de inflamação mais elevados, agravando assim os sintomas da doença, principalmente no que diz respeito a condições autoimunes como doença celíaca, esclerose múltipla e artrite reumatóide. A nicotina é outro alcalóide encontrado na família das plantas solanáceas, predominante no tabaco e em menor quantidade no tomate, batata, berinjela e pimento. As beringelas têm uma concentração de 100 ng/g de nicotina (Siegmund, 1999). É a segunda maior, depois do tabaco. Embora o conteúdo de nicotina pareça insignificante, é possível que alguns indivíduos sejam sensíveis (Fekadu, 2014).

Através de relatos de intoxicações em humanos decorrentes do consumo de batatas, estimou-se uma dose tóxica de glicoalcaloides para o homem entre 2 e 5mg/kg de peso corporal. Entretanto, foi estimada a ingestão máxima de glicoalcalóides de 1mg por kg de peso corporal, para um adulto com cerca 60kg. Este valor foi obtido com base numa concentração máxima na batata de 200mg/kg e uma ingestão diária média de 300g deste tubérculo (Slanina, 1990). No entanto, segundo a JECFA (Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives), as informações disponíveis não são suficientes para o estabelecimento de um valor de ingestão diária aceitável e os níveis de ocorrência natural em batatas (20-100mg/kg) não representam uma preocupação toxicológica (FAO/WHO, 1999).

Será que todos devemos deixar de comer estes alimentos?

O número de estudos é ainda reduzido e os que foram realizados mostram efeitos adversos para exposições a quantidades elevadas em animais, pelo que não se sabe se uma pequena quantidade pode causar ou não reação em humanos. Haverá a hipótese também de se tolerar uns alimentos e outros não, mesmo sendo da mesma família. Portanto, alguém saudável, com pouca inflamação, um sistema imunitário e digestivo equilibrado, pode manter a ingestão destes alimentos. No entanto, algumas pesquisas preliminares mostram que podem não ser as melhores opções para pessoas com certas condições crónicas, inflamatórias e autoimunes, como artrite, fibromialgia e síndrome do intestino irritável, por poder aumentar os níveis de toxicidade.

Estratégias para reduzir o teor de alcalóides

A concentração de glicoalcalóides em batatas depende da variedade e do tamanho do tubérculo. Para tubérculos de uma mesma variedade e de peso semelhante, o teor destas substâncias varia em função da textura, cor e presença de pontos pretos: tubérculos murchos, de cor esverdeada e com pontos pretos tendem a apresentar níveis mais elevados de glicoalcalóides. Fatores como a humidade do solo, tratamentos com fertilizantes e pesticidas, poluição do ar e condições de armazenamento, entre outros, podem também afetar o teor destes compostos (Machado e Todelo, 2004).

Além disso, estudos conduzidos para avaliar a estabilidade de glicoalcalóides submetidos a quatro formas de confeção (microondas, fritar, assar e cozer) indicaram que os mesmos são termorresistentes, ainda que seja evidência mais antiga (Morris, 1984; Bushway, 1981).

Assim, de forma a evitar a formação e aumento da solanina nos tubérculos e frutos podem existir alguns cuidados:

Na plantação

• evitar plantar superficialmente e plantar os tubérculos a 15 cm de profundidade;

• não fertilizar tardiamente o solo, uma vez que a aplicação excessiva e tardia de azoto aumenta o teor em solanina;

• não fazer a colheita demasiado cedo, dar tempo para a completa maturação dos tubérculos e frutos.

No armazenamento e consumo

• armazenar num local escuro e fresco evitando a exposição a fontes de luz e calor (se as batatas forem deixadas ao sol, a concentração de glicoalcalóides aumenta até 4 vezes)

• lavar os alimentos antes de cozinhar, retirando a pele e possíveis zonas verdes;

• guardar em sacos pretos ou opacos;

• evitar comer quantidades excessivas, diariamente ou com frequência;

• escolher produtos certificados;

• quanto mais velhas forem as batatas menor será a concentração de solanina;

• escolher tomates maduros

• retirar a casca e comer os alimentos no ponto certo, ou seja, evitar consumir os alimentos demasiado verdes ou a brotar, como no caso das batatas

(Machado e Toledo, 2004; Morris, 1984; Smith, 1996)

Conclusão

Os alimentos da família das solanáceas contêm nutrientes importantes para a saúde. No entanto, algumas pessoas poderão beneficiar se evitarem estes ou alguns destes alimentos, principalmente se forem portadoras de alguma doença autoimune. Alguns estudos com animais sugerem que as solanáceas podem ter efeitos negativos em pessoas com doença inflamatória intestinal, agravando os sintomas de doença, mas é necessária mais investigação em humanos para que se possam conceber recomendações gerais.

Se deve retirar ou não, na verdade, só há uma forma de saber: remover da alimentação e perceber se os sintomas melhoram. As dietas de eliminação são ferramentas interessantes porque ao remover um alimento da rotina alimentar, elimina-se a resposta inflamatória que poderá provocar. Quando o alimento é reintroduzido, se houver sensibilidade, terá uma reação aguda a curto prazo.

Se é saudável e não tem reações adversas às solanáceas, não há razão para evitá-las. Por outro lado, se tem uma doença autoimune como síndrome do intestino irritável ou manifesta alguns sinais de sensibilidade quando ingere este tipo de alimentos, pode considerar removê-las da sua alimentação e avaliar, junto de um profissional, as mudanças nos sintomas.

Para terminar, devemos sempre ter a ideia que os pressupostos de uma alimentação saudável assentam em 3 bases: variada, equilibrada e completa. Vários são os alimentos que têm os seus prós e contras em comparação com uma alimentação variada. Haverá alimentos que, dependendo do estado de saúde de cada pessoa, serão melhores e outros piores. A dose faz o veneno!

Bibliografia

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Carreno-Gómez B, Woodley JF, Florence AT. Studies on the uptake of tomato lectin nanoparticles in everted gut sacs. Int J Pharm. 1999 Jun 10;183(1):7-11. doi: 10.1016/s0378-5173(99)00050-2. PMID: 10361144

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Atinja os seus objetivos com o melhor acompanhamento!
Ana Sofia Matos
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