Atuar com o corpo cetoadaptado: uma nova estratégia de performance, recuperação e longevidade no desporto.
Durante décadas, os hidratos de carbono dominaram as recomendações nutricionais no desporto. Foram vendidos como essenciais para o desempenho físico, a recuperação e a energia. Mas será mesmo assim? A ciência mais recente revela que esta visão está incompleta — e, por vezes, prejudicial.
🚨 O Problema da “Energia Rápida”
Treinar sistematicamente com base em hidratos:
• Estimula a secreção crónica de insulina;
• Promove inflamação subclínica e stress oxidativo;
• Prejudica a flexibilidade metabólica;
• Aumenta a dependência da glicose como única fonte de energia.
Cada grama de glicogénio muscular retém cerca de 3 g de água. Isto não é “peso funcional”, mas sim carga adicional — especialmente para modalidades onde a leveza e agilidade contam.
O metabolismo da glicose gera mais espécies reativas de oxigénio (ROS) do que a oxidação de lípidos. O uso crónico e exclusivo de glicose favorece o stress oxidativo e a inflamação (1).
🔥 A Vantagem Metabólica da Cetoadaptação
A cetoadaptação é um estado fisiológico em que o corpo aprende a usar gordura (e cetonas) como principal fonte de energia, mesmo durante o exercício. Com isso, conseguimos:
✅ Aumentar a densidade mitocondrial;
✅ Reduzir os marcadores de inflamação (IL-6, TNF-α);
✅ Preservar massa muscular mesmo em défice calórico;
✅ Melhorar a regeneração e recuperação pós-treino;
✅ Aumentar a eficiência energética do cérebro e músculo.
A dieta cetogénica induz um estado metabólico único que promove uma gestão mais eficiente das gorduras e melhora a sensibilidade à insulina, e reduz a dislipidemia aterogénica (2).
🧠 Menos Açúcar, Mais Performance Cognitiva
Durante o exercício prolongado, o cérebro começa a usar cetonas como combustível. E com bons motivos:
• As cetonas produzem mais ATP por unidade de oxigénio do que a glicose;
• Protegem contra neuroinflamação e fadiga central;
• Aumentam a clareza mental durante provas longas e treino em jejum.
A utilização de β-hidroxibutirato (BHB) pelo cérebro melhora a eficiência energética cerebral e reduz o stress oxidativo (3).
🏋️♂️ Força e Composição Corporal: o Mito Derrubado
Ao contrário do que muitos acreditam, estudos mostram que a dieta cetogénica:
• Não reduz a força nem a hipertrofia, desde que a ingestão proteica seja adequada;
• Melhora a composição corporal, reduzindo a massa gorda sem perda muscular;
• Favorece a recuperação, com menor dor muscular pós-esforço.
A dieta cetogénica em praticantes de CrossFit durante 6 semanas levou a melhorias na composição corporal e não comprometeu o desempenho (4).
⚙️ E no treino de força? E a fosfocreatina? E o glicogénio?
É verdade: nos primeiros segundos de esforço intenso e explosivo — como levantamento de pesos ou sprints curtos — o corpo usa preferencialmente o sistema da fosfocreatina (PCr) para gerar ATP rapidamente. Após 5 a 10 segundos, há uma transição para o glicogénio muscular, especialmente se a intensidade continuar alta.
❗️Mas aqui está o ponto essencial:
1. A cetoadaptação não elimina o glicogénio muscular.
Atletas em dieta cetogénica mantêm níveis de glicogénio suficientes para esforços anaeróbicos curtos (5). O corpo adapta-se a repor glicogénio via gliconeogénese, utilizando substratos como aminoácidos (ex: alanina), lactato e glicerol — este último resultante da quebra de triglicéridos — sem depender de ingestão elevada de hidratos.
2. A resíntese de ATP não depende exclusivamente da glicose.
Durante os intervalos de descanso entre séries, os atletas cetoadaptados regeneram fosfocreatina mais eficientemente graças à maior capacidade mitocondrial e ao uso preferencial de gordura como combustível (6).
3. A eficiência metabólica aumenta com a cetoadaptação.
O músculo aprende a usar menos glicogénio por repetição, acumula menos lactato e tolera cargas elevadas com maior estabilidade energética (7).
4. O treino de força e potência beneficia da estabilidade energética.
Um atleta cetoadaptado evita os picos e quebras associados à dependência da glicose — tem energia mais estável, foco mental superior e menor inflamação pós-exercício, o que facilita treinos consistentes e melhor recuperação.
🏃♀️ Atletas Cetoadaptados: Prova Viva de que os Hidratos Não São Essenciais
A ideia de que o rendimento de alto nível depende de grandes quantidades de hidratos de carbono tem sido posta à prova por atletas de elite que adoptaram a cetoadaptação. Um dos exemplos mais emblemáticos é Paula Newby-Fraser, 8 vezes campeã do Ironman do Havai, que seguiu uma abordagem cetogénica para maximizar a oxidação de gordura e melhorar a resistência (8). Outro exemplo é Zach Bitter, recordista mundial dos 100 km em pista e 100 milhas em passadeira, que atingiu níveis extremos de desempenho com uma dieta rica em gordura e pobre em hidratos (9). Também o ultra-maratonista Timothy Olson, vencedor da Western States Endurance Run, e o ciclista Chris Froome, vencedor de múltiplas edições do Tour de France, adotaram estratégias de baixo consumo de hidratos em fases cruciais das suas preparações (10,11). Estes casos mostram que a eficiência metabólica, a clareza mental e a recuperação podem ser otimizadas sem depender de glicose constante.
💥 O Futuro do Desempenho Está na Flexibilidade Metabólica
A verdadeira performance não depende de açúcares rápidos, mas da capacidade do corpo de alternar entre substratos energéticos com eficiência.
A cetoadaptação não significa eliminar os hidratos para sempre — mas sim reeducar o corpo para não ser dependente deles. E quando usados estrategicamente (ex: “train low, compete high”), os hidratos podem até ter um papel pontual benéfico, sem sacrificar a saúde mitocondrial.
🧩 Conclusão – Mais do que rendimento: saúde e estratégia
A cetoadaptação não é apenas uma tendência — é uma estratégia fisiológica, fundamentada na ciência e na evolução humana, que pode melhorar significativamente o teu rendimento desportivo, a tua recuperação e a tua saúde metabólica.
Mas atenção: não é uma abordagem para ser feita ao acaso.
A transição para este tipo de metabolismo exige compreensão, planeamento e adaptação. São necessários cuidados com:
• a ingestão correta de eletrólitos (sódio, magnésio, potássio),
• o ajuste gradual do treino,
• o aporte proteico adequado,
• e, sobretudo, a ingestão suficiente de gorduras de qualidade.
📌 É a gordura que passa a ser o principal combustível — e a qualidade faz toda a diferença.
Deves privilegiar:
• Gorduras saturadas e monoinsaturadas saudáveis como azeite virgem extra, abacate, manteiga, ghee, banha de porco preto e sebo de vaca de pasto;
• Gorduras de cadeia média, como o óleo de coco ou MCT, que produzem cetonas de forma eficiente;
• Evitar óleos vegetais refinados (girassol, soja, milho) — altamente inflamatórios.
💡 Não existe uma única fórmula. Cada organismo reage de forma diferente — por isso, a individualização é chave para o sucesso.
🧭 Se praticas desporto com regularidade — por lazer ou competição — e queres explorar esta estratégia de forma segura e personalizada, estou disponível para te acompanhar nesse processo.
📩 Marca consulta ou envia mensagem.
A transição pode ser desafiante, mas os resultados falam por si — energia mais estável, menos inflamação e performance sustentada.
📚 Bibliografia
1. Evans M, Cogan KE, Egan B. Metabolism of ketone bodies during exercise and training: physiological basis for exogenous supplementation. J Physiol. 2017;595(9):2857–71.
2. Volek JS, Fernandez ML, Feinman RD, Phinney SD. Dietary carbohydrate restriction induces a unique metabolic state positively affecting atherogenic dyslipidemia, fatty acid partitioning, and metabolic syndrome. Prog Lipid Res. 2008;47(5):307–18.
3. Courchesne-Loyer A, et al. Inverse relationship between brain glucose and ketone metabolism in adults during short-term moderate dietary ketosis. J Cereb Blood Flow Metab. 2017;37(7):2485–93.
4. Kephart WC, et al. The ketogenic diet induces a unique metabolic state in rodents that improves mitochondrial adaptations to resistance exercise training. J Strength Cond Res. 2018;32(12):3373–85.
5. Volek JS, et al. Metabolic characteristics of keto-adapted ultra-endurance runners. Metabolism. 2016;65(3):100–110.
6. Phinney SD, et al. The human metabolic response to chronic ketosis without caloric restriction: preservation of submaximal exercise capability with reduced carbohydrate oxidation. Metabolism. 1983;32(8):769–776.
7. Wilson JM, et al. A ketogenic diet affects strength performance and body composition. J Strength Cond Res. 2020;34(12):3463–3474.
8. Wikipedia. Paula Newby-Fraser. https://en.wikipedia.org/wiki/Paula_Newby-Fraser
9. Planetatriatlon. Zach Bitter, el hombre que corrió 100 millas en cinta. https://planetatriatlon.com/zach-bitter-record-del-mundo-100-millas-cinta
10. Timothy Allen Olson. https://www.timothyallenolson.com
11. Wikipedia. Chris Froome. https://en.wikipedia.org/wiki/Chris_Froome