Pontos-chave
• A Nutrição Funcional tem origem na medicina funcional do The Institute for Functional Medicine (IFM), que procura explicar como as doenças ocorrem e tem como objetivo tratar as suas causas. Só que a nutrição funcional foca-se na restauração da saúde pela alimentação e pelos hábitos de vida saudáveis
• O estado “micronutricional” do indivíduo é fundamental na prevenção de doenças e na longevidade, e é aí que também deve existir um estado geral de preocupação para além do sobrepeso. A nutrição é muito mais do que contar calorias.
• Há que mudar o paradigma de que uma consulta de nutrição só serve para perder peso ou melhorar a composição corporal. Por mais bem constituído ou musculado que seja o indivíduo, não é sinónimo de saúde ou que esteja bem nutrido.
• O objetivo da micronutrição não é só que o indivíduo não esteja desnutrido, mas sim nutrido de forma ótima de acordo com os estudos de mortalidade, morbilidade e longevidade para esses determinados micronutrientes (vitaminas e minerais).
• Nas análises clínicas, estar dentro dos valores de referência não significa que o indivíduo esteja ausente de risco. Muitas vezes, mesmo estando dentro da referência, o indivíduo já apresenta risco e é importante saber identificá-lo para começar a trabalhar na prevenção e não na cura.
• Um exemplo claro da importância da micronutrição foi observado na COVID-19, onde uma taxa de mortalidade próxima de zero pode ser teoricamente alcançada com um nível plasmático de 50 ng/ml de vitamina D [25(OH)D3] (9). O valor de referência de suficiência é a partir de 30 ng/ml e estima-se que mais de 60% da população portuguesa tem abaixo de 20 ng/ml (5).
• Um estado ótimo de selénio está relacionado com um melhor sistema imunitário traduzindo-se num melhor resultado no tratamento de cancro, infecções virais, numa redução da progressão do HIV para a SIDA, na infertilidade masculina, na gravidez, em doenças cardiovasculares, em perturbações do humor e possivelmente na saúde óssea. O valor ótimo é de 98,7 μg/L e em Portugal temos uma média de 80 μg/L. Para uma das principais vias de desintoxicação e de defesa antioxidante do organismo funcionarem corretamente, necessitamos de estar no nível óptimo. (4)
• Se a alimentação influencia no tratamento da maioria (senão de todas) as doenças, e muitas vezes é a própria causa, porque também não consultar um nutricionista funcional para além de um médico?
A nutrição funcional é uma abordagem integrativa à saúde do indivíduo que tem como base a nutrição, tendo em conta os outros pilares da nossa saúde como a qualidade do sono/descanso, exercício/movimento, stress e relacionamentos (suporte social). Isto é, atendendo à relação que se estabelece entre a parte psicológica, neurológica, imunológica e endócrina.
Tem como principal objetivo melhorar/restaurar a sua saúde, melhorar a qualidade de vida e aumentar a esperança de vida livre de incapacidade.
Na nutrição funcional faz-se o estudo individual da alimentação e estilo de vida, dos antecedentes pessoais e familiares, sinais e sintomas, conjuntamente com o suporte de analises clínicas e outros exames. Não só com o objetivo de ajudar no tratamento e prevenção de doenças, mas também fazer com que o indivíduo atinja um ótimo estado nutricional para viver o dia a dia da melhor forma.
Atualmente comem-se cada vez mais alimentos ausentes de micronutrientes (vitaminas e minerais), fitoquímicos, ácidos gordos essenciais, entre outros. O estado “micronutricional” do indivíduo é fundamental e é aí que também deve existir um estado geral de preocupação para além do sobrepeso. Na Europa, existe uma prevalência de consumo inadequado de certos micronutrientes como ácido fólico, selénio, iodo, vitamina C (em idosos) e magnésio (1–4). 60% da população portuguesa é deficiente em vitamina D (5) e curiosamente, devido aos hábitos alimentares e não à exposição ao sol, os países do norte da europa têm melhor status de vitamina D (6). Quando pensamos em saúde e longevidade não nos devemos basear somente nos valores de Ingestão Diária Recomendada (IDR) para aquele micronutriente pois pode não ser suficiente de acordo com a especificidade do individuo... O objetivo não é só que o individuo não esteja desnutrido, mas sim nutrido de forma ótima de acordo com os estudos de mortalidade, morbilidade e longevidade para esses determinados micronutrientes. Esse estudo denomina-se de micronutrição e é feito na nutrição funcional, priorizando-se sempre a inserção de alimentos chave e a alteração de hábitos de vida do indivíduo primeiro que os suplementos. Uma abordagem somente baseada em suplementos não funciona e envolve risco como referi no meu artigo anterior sobre suplementação.
Fig.1. Nível plasmático de selénio médio nos diversos países europeus (4)
Nas análises clínicas, estar dentro dos valores de referência não significa que o indivíduo esteja ausente de risco. Há que ter em conta a sua especificidade e dar-lhe conhecimento e ferramentas para alterar os seus hábitos de vida de modo a que atinja os valores ótimos de acordo com os estudos de mortalidade, morbilidade e longevidade.
Em relação a este tema, o COVID-19 é um ótimo exemplo de estudo do impacto que pode ter esse mau estado de “micronutrição”, e muitas vezes dentro do valor de referência, na severidade da doença. Exemplos: déficit de zinco (7), selénio (8), vitamina D (9)... E isto traduz-se em todas as doenças pois o sistema imunitário depende de micronutrientes para funcionar corretamente.
O risco de mortalidade por COVID-19 correlaciona-se inversamente com os níveis plasmáticos de vitamina D3, e uma taxa de mortalidade próxima de zero pode ser teoricamente alcançada com um nível plasmático de 50 ng/mL (9)
Todas as reações químicas que ocorrem no nosso organismo necessitam de micronutrientes (ou cofatores dependentes deles):
• Para produzirmos energia necessitamos muito mais do que hidratos de carbono ou gordura. Precisamos de magnésio (10), vitaminas do grupo B (11) e não só...
• Para a regeneração de tecidos precisamos muito mais do que proteínas. Necessitamos de vitamina A, B, C, D, zinco, ferro (12) ...
• Para ativar as vias de desintoxicação necessitamos de micronutrientes – radiação (13), metais pesados, poluição, e outros tóxicos provenientes da nossa alimentação e da água (14,15)…;
• O nosso sistema imunitário para funcionar corretamente necessita de micronutrientes (16). Se não estamos bem “micronutridos” a resposta do nosso corpo à doença poderá ser deficiente ou exacerbada (como acontece com a tempestade de citoquinas no COVID-19);
• A nossa tiroide para funcionar corretamente necessita de micronutrientes (17). Exemplo: um estado ótimo de selénio é fundamental na tiroidite de Hashimoto para reduzir a autoimunidade (18), nota-se que não é apenas um “estado de suficiência”;
• O nosso sistema gastrointestinal para funcionar corretamente necessita de micronutrientes (19);
• …
Para quem é a Nutrição Funcional?
- Para quem quer melhorar a qualidade de vida e a esperança de vida livre de incapacidade;
- Para quem sofre de alergias (20), rinite alérgica (21), asma (22,23), psoríase (24), acne (25), eczema atópico (20), sinusite (26), dores de cabeça crónicas (27), artrite/artroses (28), dores de estômago ou outros problemas gastrointestinais... e está constantemente a tomar corticosteroides, anti-histamínicos, analgésicos, antiácidos/protetores gástricos...
- Para quem está na terceira idade e necessita de manter a massa muscular, saúde articular, saúde óssea, saúde neurológica, autonomia, redução de fatores de risco...;
- Para quem pretende engravidar (é na pré conceção que se deve começar a “polir” os hábitos de vida, não durante a gravidez, e não somente as mulheres (29) … o estado de saúde na pré conceção já está a definir a saúde e a vida do bebé (30,31);
- Quem quer melhorar a performance cognitiva no trabalho;
- Quem sofre de doenças crónicas não transmissíveis: diabetes, doenças cardiovasculares, neurológicas, autoimunes (todas as doenças autoimunes começam no intestino através de uma alteração da microbiota e do aumento da permeabilidade intestinal (32,33));
- Resumindo... para toda a gente.
Se a alimentação influencia no tratamento destas doenças, e muitas vezes é a própria causa, porque também não consultar um nutricionista funcional para além de um médico?
A nutrição sem ter em conta estes fatores é somente a prescrição de uma dieta para contar calorias...
Bibliografia
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2. Tabacchi G, Wijnhoven TMA, Branca F, Román-Viñas B, Ribas-Barba L, Ngo J, et al. How is the adequacy of micronutrient intake assessed across Europe? A systematic literature review. Br J Nutr. julho de 2009;101 Suppl 2:S29-36.
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5. Duarte C, Carvalheiro H, Rodrigues AM, Dias SS, Marques A, Santiago T, et al. Prevalence of vitamin D deficiency and its predictors in the Portuguese population: a nationwide population-based study. Arch Osteoporos [Internet]. 2 de março de 2020 [citado 5 de dezembro de 2023];15(1):36. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11657-020-0695-x
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