Porque não se deve suplementar vitaminas e minerais de forma isolada?
Suplementação isolada de vitamina D3 parece diminuir a proteção contra a calcificação das artérias (1)
Sabia que a suplementação de vitamina D3 (isolada) parece ter influência na diminuição da proteção contra a calcificação vascular (acumulação de cálcio nas artérias)? Uma suplementação de apenas 1200 UI por dia, em pessoas com idade superior a 60 anos, foi demostrada diminuir a expressão de duas proteínas dependentes de vitamina K (a proteína GLA de matriz e a osteocalcina). Quando estes 2 marcadores estão baixos há uma associação positiva com o aumento de doença cardiovascular, baixa densidade óssea e osteoporose (1).
Relação entre a vitamina D, vitamina K e cálcio
A vitamina D tem um papel fundamental na absorção de cálcio pelo intestino (2). E se for combinada com uma suplementação de cálcio e/ou com a toma de anticoagulantes (antagonistas de vitamina K) poderá estar a adicionar mais fatores de aumento do risco de aterosclerose devido ao aumento da necessidade de vitamina K (3,4). Para prevenir esta situação, é fundamental ter uma dieta rica em verduras (principal fonte de vitamina K1 que tem um papel mais importante na modulação da coagulação) e de alguns alimentos fermentados (fonte principal de vitamina K2, que tem um papel fundamental no transporte do cálcio do sangue para o osso, evitando o seu deposito nas artérias) e ser avaliada a sua necessidade de suplementação (5).
O metabolismo do cálcio é bastante complexo. É fundamental que as populações de risco sejam acompanhadas também por um nutricionista funcional para que tenham, para além de um maior conhecimento sobre a sua saúde, uma alimentação e suplementação adequadas de acordo com todos os seus fatores de risco. A visão é viver uma vida longa livre de incapacidade, não apenas viver uma longa vida.
Relação entre vitamina D e magnésio
A vitamina D é dependente de magnésio para a sua função (6). A deficiência de magnésio é cada vez mais frequente e na maioria das vezes subdiagnosticada (estima-se que entre 10-30% das pessoas, e 84% das mulheres pós-menopausa com osteoporose, têm défice de magnésio)(7).
O magnésio é essencial para a síntese, transporte e ativação da vitamina D (6). A análise clínica mais comum para avaliar o magnésio é a magnesemia (concentração de magnésio no plasma sanguíneo). Já foi demonstrado que não é a melhor forma de avaliação visto ser comum, principalmente em pacientes idosos, déficit de magnésio com valores de magnesemia dentro do intervalo de referência. Ou avalia-se os sinais e sintomas ou a análise clínica de eleição é avaliar o magnésio eritrocitário (8,9).
A relação da Vitamina D e Vitamina A
Parece que o recetor de vitamina D no núcleo das células (denominado de VDR) tem uma forte relação com o recetor de vitamina A (RXR) e está dependente de se ligar a ele para exercer a sua função nos processos inflamatórios e no sistema imunitário. E para esta ligação acontecer é necessário vitamina A (ácido retinóico) (10).
Suplementação de ferro e alteração da microbiota intestinal (disbiose) e influência na gravidez
A suplementação de ferro tem um impacto negativo na alteração da microbiota intestinal, reduzindo as bactérias benéficas, aumentando os patobiontes, potenciando assim expansão de patógenos. Esta disbiose provoca aumento da inflamação intestinal, poderá provocar danos no intestino e favorece a infeção (11). O tipo de ferro mais usado é o sulfato ferroso, que é menos biodisponível e parece provocar mais toxicidade no intestino comparativamente ao ferro bisglicinato. Este último parece ter o mesmo efeito com metade da dose (do elemento) (12–14).
Durante a gravidez, as mulheres já costumam sofrer de problemas gastrointestinais. Juntando doses elevadas de sulfato ferroso (muito acima de 40 mg, dose elementar) administradas diariamente, somado à redução da absorção da dose subsequente (devido ao aumento da hepcidina que fecha a “porta de entrada” do ferro, a ferroportina) (15,16), aumentando o ferro livre no intestino, juntando a redução da motilidade intestinal (devido aos níveis mais elevados de progesterona), poderá ser uma forte agressão à microbiota dessas mulheres. A microbiota das mulheres grávidas é de extrema importância para o feto visto que, como desloca-se para zonas extra-intestinais (como em todas as pessoas), parece influenciar a tendência (fenótipo) de alergias e doenças autoimunes para essa criança no futuro (17).
A nutrição (e bons hábitos de vida) é fundamental antes da conceção de forma a evitar grandes doses de suplementação durante uma fase da vida que vai influenciar dois seres humanos ao mesmo tempo. Por vezes é necessário suplementar mas que seja com a melhor forma de ferro (bisglicinato ou sucrossomial) e não esquecendo da relação entre ferro:cobre:zinco:manganês referida no ponto a seguir.
Multivitamínicos: porque não são uma boa opção
Para ser feita uma boa suplementação em primeiro lugar é fundamental conhecer a relação que se estabelece entre os micronutrientes, é necessário conhecer a dieta e os hábitos de vida do paciente, e observar as suas análises clínicas específicas. Outro fator a ter em conta é também saber que tipo de forma vamos usar de acordo com a necessidade da pessoa. Por último, e muitas vezes esquecido, saber se a pessoa está inflamada ou intoxicada pois a contaminação por metais pesados é cada vez mais uma realidade atualmente: agroquímica, poluição ambiental, cosméticos ou produtos de higiene pessoal... Os metais tóxicos competem com os metais nutricionais (18).
Suplementar ferro compete com o zinco (19), suplementar zinco compete com ferro (20) e cobre (21), suplementar cálcio diminui absorção do ferro (22) e compete com o magnésio (23), entre outros... Suplementar tudo junto num comprimido deve ser como um dérbi de clubes rivais a ocorrer no nosso intestino. Até a altura do dia influencia a absorção de certos minerais (24–26). É por isso que em determinadas patologias como a anemia ferropénica, é ter uma visão simplista somente pensar em ferro... (27)
Conclusão
Na maioria das vezes não faz sentido fazer a suplementação isolada de vitaminas ou minerais e até pode ser prejudicial como referido anteriormente. Muito menos tomar um multivitamínico que fornece doses de micronutrientes que não foram formuladas especificamente para o paciente. A suplementação de micronutrientes não é inofensiva, não deve ser feita de forma autónoma e é fundamental o entendimento da relação que se estabelece entre todos eles para fazer uma suplementação de qualidade. A prioridade é sempre complementar o défice desses micronutrientes primeiro pela dieta (e alteração de hábitos) e só depois pela suplementação. Isto é nutrição (funcional) e é para isso que existem nutricionistas que dedicam horas diárias de estudo. Começar a fazer suplementação de micronutrientes sem alteração da dieta é um mau princípio.
Bibliografia
1. van Ballegooijen AJ, Beulens JWJ, Schurgers LJ, de Koning EJ, Lips P, van Schoor NM, et al. Effect of 6-Month Vitamin D Supplementation on Plasma Matrix Gla Protein in Older Adults. Nutrients [Internet]. 22 de janeiro de 2019 [citado 21 de abril de 2023];11(2):231. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6413026/
2. DeLuca HF. The metabolism and functions of vitamin D. Adv Exp Med Biol. 1986;196:361–75.
3. Morelli MB, Santulli G, Gambardella J. Calcium supplements: Good for the bone, bad for the heart? A systematic updated appraisal. Atherosclerosis [Internet]. março de 2020 [citado 14 de novembro de 2023];296:68–73. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7276095/
4. Koos R, Krueger T, Westenfeld R, Kühl HP, Brandenburg V, Mahnken AH, et al. Relation of circulating Matrix Gla-Protein and anticoagulation status in patients with aortic valve calcification. Thromb Haemost. abril de 2009;101(4):706–13.
5. Schwalfenberg GK. Vitamins K1 and K2: The Emerging Group of Vitamins Required for Human Health. J Nutr Metab [Internet]. 2017 [citado 18 de novembro de 2023];2017:6254836. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5494092/
6. Trapani V, Rosanoff A, Baniasadi S, Barbagallo M, Castiglioni S, Guerrero-Romero F, et al. The relevance of magnesium homeostasis in COVID-19. Eur J Nutr [Internet]. 2022 [citado 20 de abril de 2023];61(2):625–36. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8540865/
7. DiNicolantonio JJ, O’Keefe JH, Wilson W. Subclinical magnesium deficiency: a principal driver of cardiovascular disease and a public health crisis. Open Heart [Internet]. 13 de janeiro de 2018 [citado 18 de novembro de 2023];5(1):e000668. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5786912/
8. Ulger Z, Ariogul S, Cankurtaran M, Halil M, Yavuz BB, Orhan B, et al. Intra-erythrocyte magnesium levels and their clinical implications in geriatric outpatients. J Nutr Health Aging. dezembro de 2010;14(10):810–4.
9. Ismail A a. A, Ismail Y, Ismail AA. Chronic magnesium deficiency and human disease; time for reappraisal? QJM. 1 de novembro de 2018;111(11):759–63.
10. Riccio P, Rossano R. Diet, Gut Microbiota, and Vitamins D + A in Multiple Sclerosis. Neurotherapeutics [Internet]. janeiro de 2018 [citado 14 de novembro de 2023];15(1):75–91. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5794694/
11. Yilmaz B, Li H. Gut Microbiota and Iron: The Crucial Actors in Health and Disease. Pharmaceuticals (Basel) [Internet]. 5 de outubro de 2018 [citado 16 de novembro de 2023];11(4):98. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6315993/
12. Ferrari P, Nicolini A, Manca ML, Rossi G, Anselmi L, Conte M, et al. Treatment of mild non-chemotherapy-induced iron deficiency anemia in cancer patients: comparison between oral ferrous bisglycinate chelate and ferrous sulfate. Biomed Pharmacother. setembro de 2012;66(6):414–8.
13. Milman N, Jønsson L, Dyre P, Pedersen PL, Larsen LG. Ferrous bisglycinate 25 mg iron is as effective as ferrous sulfate 50 mg iron in the prophylaxis of iron deficiency and anemia during pregnancy in a randomized trial. J Perinat Med. março de 2014;42(2):197–206.
14. Bagna R, Spada E, Mazzone R, Saracco P, Boetti T, Cester EA, et al. Efficacy of Supplementation with Iron Sulfate Compared to Iron Bisglycinate Chelate in Preterm Infants. Curr Pediatr Rev [Internet]. maio de 2018 [citado 16 de novembro de 2023];14(2):123–9. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6416193/
15. Moretti D. Novel approaches to oral iron treatment. HemaSphere [Internet]. junho de 2019 [citado 16 de novembro de 2023];3:109. Disponível em: https://journals.lww.com/hemasphere/fulltext/2019/06002/novel_approaches_to_oral_iron_treatment.41.aspx#
16. Moretti D, Goede JS, Zeder C, Jiskra M, Chatzinakou V, Tjalsma H, et al. Oral iron supplements increase hepcidin and decrease iron absorption from daily or twice-daily doses in iron-depleted young women. Blood. 22 de outubro de 2015;126(17):1981–9.
17. Nyangahu DD, Jaspan HB. Influence of maternal microbiota during pregnancy on infant immunity. Clin Exp Immunol. outubro de 2019;198(1):47–56.
18. Goyer RA. Toxic and essential metal interactions. Annu Rev Nutr. 1997;17:37–50.
19. Solomons NW, Jacob RA. Studies on the bioavailability of zinc in humans: effects of heme and nonheme iron on the absorption of zinc. Am J Clin Nutr. abril de 1981;34(4):475–82.
20. Donangelo CM, Woodhouse LR, King SM, Viteri FE, King JC. Supplemental Zinc Lowers Measures of Iron Status in Young Women with Low Iron Reserves. The Journal of Nutrition [Internet]. 1 de julho de 2002 [citado 18 de novembro de 2023];132(7):1860–4. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022316622152387
21. Jeng SS, Chen YH. Association of Zinc with Anemia. Nutrients. 20 de novembro de 2022;14(22):4918.
22. Lönnerdal B. Calcium and iron absorption--mechanisms and public health relevance. Int J Vitam Nutr Res. outubro de 2010;80(4–5):293–9.
23. Dai Q, Shrubsole MJ, Ness RM, Schlundt D, Cai Q, Smalley WE, et al. The relation of magnesium and calcium intakes and a genetic polymorphism in the magnesium transporter to colorectal neoplasia risk. Am J Clin Nutr [Internet]. setembro de 2007 [citado 18 de novembro de 2023];86(3):743–51. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2082111/
24. Blumsohn A, Herrington K, Hannon RA, Shao P, Eyre DR, Eastell R. The effect of calcium supplementation on the circadian rhythm of bone resorption. J Clin Endocrinol Metab. setembro de 1994;79(3):730–5.
25. Fraser WD, Ahmad AM, Vora JP. The physiology of the circadian rhythm of parathyroid hormone and its potential as a treatment for osteoporosis. Curr Opin Nephrol Hypertens. julho de 2004;13(4):437–44.
26. von Siebenthal HK, Moretti D, Zimmermann MB, Stoffel NU. Effect of dietary factors and time of day on iron absorption from oral iron supplements in iron deficient women. Am J Hematol. setembro de 2023;98(9):1356–63.
27. Abdelhaleim AF, Abdo Soliman JS, Amer AY, Abdo Soliman JS. Association of Zinc Deficiency with Iron Deficiency Anemia and its Symptoms: Results from a Case-control Study. Cureus. 2019 Jan 2;11(1):e3811. doi: 10.7759/cureus.3811. Erratum in: Cureus. 2019 Apr 1;11(4):c20. Abdo Soliman JS [corrected to Abdelhaleim AF]. PMID: 30868025; PMCID: PMC6402732.